Pessimismo e história

20/04/2018 00:29

Assim como Camus acredita que abandonar a esperança é – surpreendentemente, talvez – um passo liberador, do mesmo modo Cioran pensa que é precisamente a falta de ordem na história que nos dá a possibilidade de uma vida humana individual, e que deveria, portanto, ser abraçada: “Que a História não tenha sentido, é algo que deveria alegrar-nos… O universo começa e acaba com cada indivíduo, seja Shakespeare ou João-Ninguém; pois cada indivíduo vive no absoluto sem mérito ou sua nulidade” (SHD 149). Por esta última frase, creio eu, Cioran quer dizer que o valor de uma vida individual não pode ser a sua função na história.  Não podemos entender uns aos outros, e certamente nunca deveríamos nos entender, como um precursor de X ou uma culminação de Y; tal é o efeito de penar em termos de história ou de destino. Tampouco podemos realmente direcionar nossas ações para além de nós mesmos. Isto não quer dizer, no entanto, que não podemos pensar para além do nosso escopo de vida. A idéia é que não devemos fazê-lo (e não devemos permitir que os outros nos sugiram isso) caso isso signifique diminuir nossa própria vida a favor de um futuro que nós, de alguma maneira, permitimos que valha mais do que o presente. Pois, no final, a imprevisibilidade e a destrutividade da história significam que as ações têm seus significados, shakespearianos ou joão-ninguensianos, apenas no presente. Podemos, é claro, nos importar com o mundo que os nossos filhos herdarão. Mas se começarmos a nos avaliar apenas em termos deste futuro, teremos caído presas de uma “idolatria do futuro” (FT 47). Para que as nossas vidas tenham mérito, elas devem atualizá-lo aqui e agora, e não por referência a um futuro inatual.

 

Pessimism: philosophy, ethic, spirit. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2006, pp 118-158. Tradução de Rodrigo Inácio Ribeiro Sá Menezes.