Esterco de satanás

12/10/2023 14:01

 

 

“Esse fato transformador possibilita a experiência de viver num oceano de gratuidade; supõe que o homem não deve se ajoelhar diante de ninguém, precisamente porque pode dobrar confiadamente seu coração perante o surpreendente Mistério que o envolve. Implica, sobretudo, que o homem não necessita enganar nem dissimular sua própria vergonha; porque não é assim que encontrará sua própria justificação, mas, antes, no reconhecimento cruel de sua miséria. Supõe também uma transformação da moral e uma superação da religião, pois estas, muitas vezes, instalam-se numa mera crença em Deus mais do que numa autêntica fé nele (ainda que essa fé seja intrinsecamente comunitária e necessite de alguma institucionalização). Supõe, por isso, ainda que possamos (e às vezes devamos) condenar condutas concretas, que não podemos julgar nenhum ser humano, pois não somos ninguém para fazê-lo, e porque, se o fizermos, nos colocamos acima do outro, num ato de orgulho farisaico que, no fundo, nos nivela por baixo. Supõe que o perdão é mais humanizador do que a punição nua e crua, pois a satisfação na dor causada ao inimigo nos situa no mesmo nível de quem a pratica, e porque a verdadeira justiça não consiste em destruir o verdugo, mas em transformá-lo. Implica uma reivindicação da matéria e da história, com o consequente privilégio para os que são maltratados nela. Significa, além disso, que o dinheiro não é o salvador deste mundo, mas antes, aquilo que Jesus chamava de ‘tirano deste mundo’ (cf. Jo 12,31; 14,30; 16,11); e que, quando sua posse ultrapassa os limites da necessidade legítima, converte-se em raiz de todos os males, razão pela qual muitos grandes homens de fé o classificaram como ‘esterco de satanás’.”

 

José Ignacio Gonzáles Faus, Depois de Deus...