Amigo das armas e inimigo dos livros

08/04/2021 14:23

“Os livros – esses companheiros fiéis e silenciosos – sempre incomodam e interpelam, inquietam e interrogam. Costumam tirar a paz dos inertes ou de quem é incapaz de curiosidade. Das duas uma: ou incomodam quando estão fechados, pois neste caso escondem um saber que questiona justamente por permanecer oculto; ou incomodam quando se encontram abertos, porque então requerem o empenho laborioso da razão e certa capacidade de argumentação. A um só tempo, velam e desvelam uma terra ignota, universo desconhecido e, por isso mesmo, tornam-se mais perigosos. Pior ainda quando retratam a história dos povos, culturas e nações.

E pior ainda em tempos crises, pestes e pandemias. Ou em tempos de tiranos e tiranias. Tanto estas como aqueles pretendem dominar sobre o ritmo e a interpretação da história. Disso vem a tentativa de impor um tempo único e próprio, controlado pela vontade de ferro, o dinheiro e os exércitos. Com efeito, não suportam que o tempo, dinâmico, caprichoso e imprevisível como só ele, tenha suas leis próprias, criem encruzilhadas no meio dos caminhos, apresente bifurcações alternativas. Tudo isso representa um risco para a ordem e o status quo. Um fator de mudança para quem descansa tranquilo em berço de ouro.”

 

Amigo das armas e inimigo dos livros, artigo de Alfredo J. Gonçalves, padre e vice-presidente do Serviço da Pastoral dos Migrantes (SPM), publicado no jornal IHU Online em 8/4/2021