Naufrágio do marxismo e avanço da laicidade

10/02/2016 16:28

"Foi essa relação com o sentido, tanto da história mundial quanto da vida pessoal, que esvaneceu sem que nada tenha vindo substituí-la neste terreno. E foi pela laicização do nosso universo que uma doutrina, ainda de certo modo religioso, naufragou no Ocidente, antes até que a Perestroïka lhe desse fim, no campo soviético. Por essa razão, o fim do comunismo implicou um vazio maior do que se disse, um vazio que não poderia ser preenchido por qualquer ideologia substituta, a menos que possuísse as mesma virtudes teológicas. Mas é este o ponto sensível: os avanços da laicidade, paralelamente aos do individualismo, criaram por todo lado obstáculo ao retorno dos dogmas e dos argumentos de autoridade. Com o naufrágio do marxismo, não forma somente as ideias políticas que animaram a vida de milhões de indivíduos que se viram invalidadas, mas também toda uma visão teológica da política. Não se trata, agora, de um simples período passageiro, uma investida provisória na esfera privada, destinado a logo ser ultrapassado pela emergência de um novo grande propósito, ecológico ou de outro tipo. Com toda evidência, a crise é estrutural, 'historial', por assim dizer, isto é, ligada à erosão que o universo leigo e democrático impingiu, sem exceção, a todas as formas tradicionais de religiosidade."

"Os valores fundamentais dos modernos, apesar do que se diz por aí, nada têm de original...nem de tão moderno. O que é novo, em troca, é que sejam pensados a partir do homem, e não deduzidos de uma revelação que o precede e engloba. O que é novo, sem dúvida, é que a transcendência indefinível que esses valores testemunham se descobre, por sua vez, no coração do ser humano e que ele possa, desse modo, se acordar ao princípio dos princípios constitutivos do humanismo moderno: o da rejeição dos argumentos de autoridade."

 

Luc Ferry, O homem-deus ou o sentido da vida